terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Conto 0003 O parto

Olá meu nome é João, como me tornei cadeirante? Pasmem logo ao nascer!

Minha mãe era atendida pelo programa de saúde pública para grávidas, nossa família não tem posses, atualmente moramos em uma casa que meu pai invadiu logo após meu nascimento, hoje somos regularizados. O sistema de saúde prega que o parto normal é o melhor tanto pro filho quanto pra mãe, no meu caso isso não aconteceu.

Aos noves meses de gravidez, minha mãe começou a entrar em trabalho de parto, eu era um feto sadio, com todo o pré-natal feito na hora certa, ao chegar ao hospital começou a via crucis de minha mãe e meu pai, eles disseram que não tinham leitos e que minha mãe deveria esperar, o erro começa ai, como esperar estando em trabalho de parto?

Meu pai ficou muito nervoso, gritou, brigou com os funcionários e de nada adiantou, minha mãe urrava de dor, não conseguia ficar sentada porque doía muito, então ficava andando de um lado pro outro do corredor, a bolsa rompeu e mesmo assim, não foi feito nada, meu pai estava tão nervoso que começou a ameaçar os funcionários, eles chamaram a polícia, quando a polícia chegou, minha mãe que já estava nervosa, ficou mais ainda.

Quando eles se aproximaram do meu pai, minha mãe gritou que eu estava nascendo, nesse momento eu já estava no canal vaginal de minha mãe, quando os policiais viram aquilo, em vez de prenderem meu pai, disseram que seriam testemunhas de homicídio doloso, caso minha mãe e eu morrêssemos e eles não fizessem nada, os próprios policiais ficaram indignados com a situação.

Depois de 15 minutos naquele desespero os próprios policiais foram atrás dos médicos, encontraram um deles na sala de descanso, assistindo televisão, fazendo um lanche, pegaram o médico pelo braço e levaram até minha mãe, finalmente eu iria nascer, quando meu parto foi realizado, já era tarde demais, devido à demora ocorrida entre o atendimento e o parto eu já estava com lesão cerebral, devido à falta de oxigenação do cérebro.

Isso me tornou um bebê por muitos anos, as lesões em meu cérebro afetaram minha coordenação motora, eu mal conseguia mexer meus braços, e um pouco minhas pequenas e delicadas mãos, os policiais que assistiram o parto e toda a confusão no hospital, ficaram revoltados com o acontecido, iam me visitar de vez em quando, levavam presentes, fraudas e insistiam para meu pai denunciar o ocorrido e processar a maternidade e os profissionais responsáveis, só que meu pai tinha medo de retaliação por parte deles.

Mesmo os policiais dizendo que testemunhariam ao seu favor, dizendo que os ajudariam, nem meu pai nem minha mãe tiveram coragem, o tempo foi passando e eu fui crescendo, os outros bebês já tinha começado a andar, eu não conseguia mexer minhas pernas, ficava no berço e quando íamos pra rua, eu sempre ia ao colo, porque minha família não tinha dinheiro para comprar um carrinho.

Minha mãe me levava de médico em médico buscando tratamento, mas, como não tínhamos dinheiro, esse tratamento ficaria muito difícil, o sistema de saúde não tinha um diagnóstico sobre meu caso e isso dificultava o tratamento, que cada dia devido ao atraso piorava e atrofiava mais meu organismo, alguns dos danos já eram irreversíveis.

Eu cresci tanto que minha mãe já não conseguia mais me carregar ao colo, então comecei a ficar cada vez mais dentro de minha casa, deitado em minha cama, as amigas de minha mãe traziam seus filhos, eles andavam e eu não, comecei a perceber que eu era diferente, eu pensava que começaria a andar depois de velho, que as crianças não andavam, ou só começavam a andar depois de certa idade.

Me pai começou sendo vigia de uma residência, gostou da profissão e seu patrão como estava cada vês mais rico, começou a pagar cursos pro meu pai se especializar, depois de vários cursos de segurança, virou segurança particular de seu patrão, meu pai então no natal, me deu o melhor presente de toda a minha vida, uma cadeira de rodas, finalmente eu estaria liberto e sairia de casa!

Logo no primeiro final de semana eles me levaram a um parque, eu vi os pássaros que eu até então só ouvia seus cantos, as árvores que eu só via em livros de contos infantis que minha mãe me mostrava, aquele foi o melhor natal de toda a minha vida, o natal da liberdade, pra minha mãe, meu pai deu uma televisão, até então não tínhamos em casa e conheci outro mundo, o mundo da televisão.

Eu procurava pessoas como eu na televisão e não encontrava, me sentia o único cadeirante do mundo, o tempo foi passando, eu logo estava na idade de estudar, então minha mãe procurou, procurou e não tinham escolas com acessibilidade pra me atender, minha mãe estava entrando em desespero, quando foi informada de uma escola só de crianças especiais como eu, ela pegou o endereço e fomos pra escola.

Chegando lá fiquei surpreso, existiam mais pessoas como eu, nunca tinha visto tantas crianças como eu, achei aquele lugar o paraíso, o único problema é que a escola era muito longe de casa, mesmo assim, minha mãe estava decidida a me matricular na escola, nem que nós saíssemos muito mais cedo de casa pra chegar lá na hora do inicio das aulas.

Eu estava ansioso pro meu primeiro dia de aula, quando cheguei na escola uma professora nos recebeu, eu me despedi de minha mãe e a professora saiu me mostrando a escola, era um lugar lindo, cheio de pinturas nas paredes, a professora disse que foram os próprios alunos da escola que fizeram as pinturas, pensei que um dia uma pintura minha poderia estar ali, chegamos na sala de aula.

Fui apresentado a todos os outros alunos, existiam alunos de todos os tipos e uma coisa em comum, todos eram pessoa com deficiência, descobri que não existia só meu tipo de deficiência, conheci cada um deles e fiquei maravilhado, naquela escola eu me sentia mais em casa do que em minha própria casa, a aula começou e tivemos várias atividades, o dia passou tão rápido que nem percebi as horas passando.

Voltei pra casa contando tudo o que havia acontecido pra minha mãe e ela começou a chorar e eu perguntando por que ela chorava? Ela me disse que era de felicidade, porque estava me vendo feliz em empolgado daquele jeito, que meu pai não acreditou quando ela contou que havia encontrado uma escola adaptada, ao chegar em casa comecei a contar tudo pro meu pai, que sorria e me jogava pra cima de alegria...
Continua...

2 comentários:

  1. essa história é parecida com a minha, é uma pena que isso aconteça tanto !

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  2. Eu conto isso sabendo que ela é a história de muitos, tenho mais de 1.000 horas gravadas com testemunhos de pessoas, conheço alguma coisa sobre a vida de cadeirante e quero publicar tudo o que sei aqui, pra que as pessoas saibam o que acontece conosco e terem um pouco mais de respeito por nós!

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